Boulos no governo, Rillo no PT e os desafios da esquerda em Franca.
A conjuntura política tem se movido numa velocidade estonteante. Nos últimos meses o governo Lula vem experimentando uma escalada na recuperação de sua popularidade, resultado de inúmeros fatores, que precisam ser lidos com cautela para que possamos orientar a nossa caminhada no próximo período, pois enfrentaremos, em 2026, uma eleição decisiva para o futuro do Brasil, da América Latina e do Sul Global.
A retomada da popularidade do governo possui um forte componente externo, e está diretamente relacionada com o protagonismo que o Presidente Lula exerce na geopolítica, com um discurso potente de combate à pobreza e erradicação da miséria e da fome, além de atuar como timoneiro da agenda global por mudança na matriz energética, na busca pela reversão da tragédia climática que se aproxima a passos largos do planeta, podendo tornar-se irreversível caso não se encontre um denominador comum na redução dos impactos ambientais provocados pela atividade humana na Terra.
Em sua atuação global, Lula se transformou, também, numa voz importante na busca pela paz mundial, além de ter sido escolhido, não sem motivos, como um dos alvos de Donald Trump e sua guerra tarifária.
Por todas essas razões, podemos concluir que o presidente lidera um movimento global, e que esta posição de liderança tem lhe rendido bons dividendos internamente, pois o seu desempenho no exterior é capaz de tocar afetos singulares do imaginário popular, ligando a imagem do governante à ideia de soberania, orgulho e respeito.
Porém, a retomada da popularidade não se dá unicamente em razão da conjuntura global. É preciso reconhecer os acertos e avanços do governo Lula III, que possui méritos decisivos e evidentes, ao mexer de forma concreta na vida da população mais pobre e até da classe média brasileira.
Os acertos do governo fazem de Lula o presidente que derrotou a fome pela segunda vez na história.Também fazem dele o presidente com a menor inflação desde a redemocratização do país. Não bastasse isso, o governo Lula possui o menor índice de desemprego da história do país e um crescimento econômico que, na média, é três vezes maior do que o de seu antecessor. É no governo Lula III que boa parte das trabalhadoras e trabalhadores vai deixar de pagar imposto de renda, enquanto os mais ricos vão ter que contribuir mais com o orçamento público. Este, também, é o governo onde a bolsa de valores bateu todos os seus recordes históricos e a balança comercial experimentou superávits como nunca antes vistos.
Por óbvio, todos esses avanços não são frutos do acaso. É resultado de um governo que trabalha muito e que sabe trabalhar. E é resultado, também, de um governo que enfrentou desafios quase intransponíveis, que exigiam, para que se obtivesse sucesso, muita disposição para o diálogo e muita criatividade para encontrar soluções reais para os diferentes problemas da população. Em minoria absoluta no congresso, o governo reaprendeu a trabalhar com a opinião pública e apostou nela para emplacar as suas principais pautas. Foi o consórcio Lula-Povo que trouxe as principais vitórias para o Planalto, diante de um congresso míope e de pouco brilho.
Ainda assim, diante de tudo o que aqui colocamos, a retomada da popularidade é lenta e gradual e não acompanha a qualidade de um governo que supera todas as expectativas que lhe foram depositadas em 2022. Há, por óbvio, um sentimento rancoroso na sociedade brasileira e a resistência de uma turba cega, que insiste em morrer abraçada ao fantoche dos tempos de chumbo que ocupou o palácio do Planalto na última quadra histórica, os bolsoafetivos.
Se, por um lado, o resgate da popularidade do governo já aponta para uma vitória de Lula em qualquer cenário de 2026, por outro ainda demonstram a força do bolsonarismo, que segue controlando uma potente indústria de difamação e criação de notícias falsas, ao mesmo tempo em que sequestram boa parte do orçamento nacional por meio de suas emendas infinitas e entidades suspeitas.
No entanto, ao que parece, a prisão de Bolsonaro tem desarticulado gradativamente a extrema-direita que, sem um substituto do mesmo porte e sem um projeto para apresentar ao país, começa a buscar uma bala de prata para tentar mudar o rumo da prosa no ano que vem. Neste sentido, já tivemos um dos filhos do capitão condenado atuando como um agente internacional lesa-pátria, em episódio que culminou com sanções absurdas a membros da suprema corte nacional e em tarifas comerciais que feriram diretamente a elite produtiva brasileira, inclusive a agroexportadora, provocando fissuras importantes no consórcio bolsonarista, que contava com o apoio irrestrito desta fatia no jogo eleitoral.
Se a tacada internacional não surtiu os efeitos esperados, dado que Lula atuou novamente com muita habilidade o episódio, garantindo que o Brasil seguisse com expressivo superávit em sua balança comercial, agora a extrema-direita tenta mover a conjuntura deslocando a pauta do cenário macroeconômico e geopolítico para a questão da segurança pública, e aqui ela age da forma mais vil possível, produzindo um espetáculo de morte e medo, com a finalidade única de fragilizar a posição do governo perante a opinião pública.
Neste ponto, ainda é prematuro tecer comentários definitivos, mas aparentemente o governo novamente age de forma acertada, ao não permitir que Castro e companhia colem no Planalto o rótulo da responsabilidade pelo resultado estapafúrdio de uma operação despropositada, que tinha o único objetivo de causar impacto, o que, aos pouco, vai ficando evidente para a maioria da população brasileira.
Daqui até outubro de 2026 não é possível prever quais serão as medidas desesperadas que os radicais de direita tomarão para tentar mudar o rumo da história, nem se tais medidas surtirão ou não efeitos práticos no cenário político-eleitoral. Fato é que Lula segue atuando com maestria e olhar apurado, pensando não apenas em sua reeleição, mas em maneiras de mudar a correlação de forças no congresso a partir do próximo mandato e em formas de preparar a sua sucessão no futuro.
É sabido que o presidente reina de forma absoluta no cenário da esquerda brasileira, inexistindo alguém capaz de substituí-lo sem que haja perdas significativas para o campo popular. Hoje Lula é muito maior do que o PT e a esquerda reunida. Ele sabe disso e sabe, também, que só haverá continuidade do seu projeto se conseguir preparar o cenário para o que vem depois.
O ponto explica muito do convite para Boulos integrar o seu time como Secretário-Geral da Presidência da República, com a missão de “colocar o governo na rua”. Lula identifica no psolista uma liderança singular, capaz de articular as ações de governo com a linguagem das ruas e de aproximar definitivamente PSOL e PT de um projeto único para o país. Lula sabe que não haverá formas de resistir ao avanço da extrema-direita com a esquerda fragmentada, e o PSOL possui um peso significativo neste tabuleiro, não em razão de seu tamanho institucional atual, mas em função de sua capacidade de dialogar com setores do campo popular que o PT tem tido muito mais dificuldades nos dias de hoje.
Este recorte, na outra margem do rio, explica também a volta do ex-deputado João Paulo Rillo ao PT. O vereador de São José do Rio Preto foi presidente estadual do PSOL, além de ter sido eleito o vereador mais votado da história de sua cidade nas eleições de 2024, alcançando um resultado eleitoral muito diferente da maioria das lideranças de esquerda em solo bandeirante. Se há oito anos Rillo deixou o PT em razão de graves descontentamentos, desta vez ele deixa o PSOL sem qualquer mágoa, justificando seu movimento pela necessidade de tentar, agora nas fileiras do PT, construir um ambiente capaz de aproximar os dois maiores partidos de esquerda do Brasil no maior estado da federação.
Entendo que tanto a ida de Boulos ao governo, quanto a vinda de Rillo ao PT são movimentos acertados, que apontam para um futuro promissor e um caminho necessário. Se é verdade que o sucessor de Lula não será um nome e sim o PT e a esquerda organizada, isso exige abrir mão de projetos individuais em nome de uma construção coletiva e viável. Não é possível cumprir esta tarefa sem que PT e PSOL estejam caminhando lado a lado na luta, respeitando a autonomia partidária, mas construindo laços cada vez mais fortes para que o projeto de transformação social do Brasil pela via democrática possa seguir avançando.
Em Franca, o caminho não pode ser diferente. Embora seja preciso que o PT siga protagonizando o debate político-eleitoral, a lição que fica das últimas eleições é que nossa força está na unidade. Olhando para 2026 e, também para 2028, precisamos superar eventuais divergências e construir as pontes necessárias para consolidar nossa atuação na cidade. Isso significa priorizar o fortalecimento do campo popular como um todo, garantindo representatividade no Congresso Nacional e na ALESP, e, no futuro, uma alternativa de governo municipal que represente de fato os desejos da nova classe trabalhadora, das periferias e das minorias em direitos. Temos diferenças, mas tais diferenças precisam ser compreendidas como pontos a serem vencidos, pois acima de qualquer projeto pessoal ou de grupo está a necessidade de se fazer o enfrentamento à extrema-direita e, mais ainda, a necessidade de se construir um projeto político transformador para a nossa cidade.
Pedro Doin é presidente do PT em Franca/SP
Comentários
Postar um comentário